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Seção 2.2 Propriedades Algébricas de \(\mathbb{R}\)

Para facilitar a notação, dados \(x,y\in\mathbb{R}\text{,}\) o produto \(x\cdot y\) será denotado simplesmente por \(xy\text{,}\) a soma \(x+(-y)\) será denotada por \(x-y\) e é chamada a diferença entre \(x\) e \(y\text{.}\) Além disso, se \(y\neq 0\text{,}\) o produto \(x\cdot y^{-1}\) será denotado por \(\frac{x}{y}\) e é chamado o quociente de \(x\) por \(y\text{.}\)

As seguintes propriedades são básicas na Teoria dos Anéis. Por motivo de brevidade, omitiremos algumas demonstrações que podem ser encontradas em [8.2]

A seguinte propriedade é básica para a resolução de equações.

A seguinte proposição é chamada Lei do corte, no item (i) para a soma e no item (ii) para o produto.

item i. Suponha que \(a+b = a+c\text{,}\) pelo item 3 do Definição 2.1.1, existe um inverso aditivo \(-a\text{.}\) Pela proposição anterior,

\begin{equation*} (-a) + (a+b) = (-a)+(a+c). \end{equation*}

Pela associatividade da soma, obtemos

\begin{align*} ((-a) + a)+b = \amp ~((-a)+a) + c \\ 0 + b = \amp~ 0 + c \\ b =\amp~ c. \end{align*}

item ii. Suponha que \(a\cdot b = a\cdot c\) e que \(a\neq 0\text{.}\) Como \(a\neq 0\text{,}\) pelo Definição 2.1.3, existe um inverso multiplicativo \(a^{-1}\) de \(a\text{.}\) Então

\begin{align*} a^{-1}\cdot(a\cdot b) = \amp ~ a^{-1}\cdot(a\cdot c) \\ (a^{-1}\cdot a)\cdot b = \amp~ (a^{-1}\cdot a)\cdot c \\ 1\cdot b =\amp~ 1\cdot c\\ b =\amp~ c. \end{align*}

Suponha que o número \(0\) possui um inverso multiplicativo, ou seja,

\begin{equation} 0\cdot 0^{-1} = 0^{-1}\cdot 0 = 1.\label{eq-zeronaoteminv}\tag{2.2.1} \end{equation}

Seja \(a\in \mathbb{R}\text{,}\) pelo item 2 do Definição 2.1.1, temos

\begin{equation*} a+0 = a \end{equation*}

logo,

\begin{align*} (a+0)\cdot 0^{-1} = \amp ~ a\cdot 0^{-1} \\ a\cdot 0^{-1} + 0\cdot 0^{-1} = \amp ~ a\cdot 0^{-1} \quad (\text{distributividade}) \\ a\cdot 0^{-1} + 1 = \amp ~ a\cdot 0^{-1} \quad (\text{pela eq. } \knowl{./knowl/eq-zeronaoteminv.html}{\text{(2.2.1)}}) \\ 1 = \amp ~ 0 \quad (\text{somando inv. de } a\cdot 0^{-1}). \end{align*}

Chegamos em um absurdo, pois o item 7 do Definição 2.1.1 diz que \(1\neq 0\text{.}\)

Observação 2.2.4.

Segundo a proposição anterior, o número \(0\) não possui inverso multiplicativo. Sendo assim, não faz sentido dividir por 0, pois isso significaria multiplicar pelo inverso multiplicativo de \(0\text{,}\) que não existe.

O seguinte resultado mostra que o produto do número 0 por qualquer número real é 0.

Suponha que \(0\cdot a = b\text{,}\) com \(b\neq 0\text{.}\) Então, existe \(b^{-1}\) tal que

\begin{equation*} (0\cdot a)\cdot b^{-1} = b\cdot b^{-1} = 1. \end{equation*}

Usando a associatividade, obtemos

\begin{equation*} 0\cdot (a\cdot b^{-1}) = 1. \end{equation*}

Chegamos em um absurdo, pois o elemento \(0\) não possui inverso multiplicativo. Portanto, \(0\cdot a=0\) para qualquer \(a\in \mathbb{R}\text{.}\)

O próximo resultado nos mostra que quando multiplicamos \(-1\text{,}\) que é o inverso aditivo de \(1\text{,}\) por um número real \(a\text{,}\) o resultado é \(-a\text{,}\) que é o inverso aditivo de \(a\text{.}\)

Pela distributividade

\begin{equation*} (-1)\cdot a + a = (-1 + 1)\cdot a = 0\cdot a = 0. \end{equation*}

Logo, o inverso aditivo de \(a\) é \((-1)\cdot a\text{,}\) ou seja,

\begin{equation*} -a = (-1)\cdot a. \end{equation*}

Demonstraremos agora as bem conhecidas regras dos sinais.

item 1. Pelo item 3 do Definição 2.1.1, o inverso aditivo é único. Como \((-a)\) é o inverso aditivo de \(a\text{,}\) por simetria, \(a\) é o inverso aditivo de \((-a)\text{.}\) Portanto, basta mostrarmos que \(-(-a)\) é o inverso aditivo de \((-a)\text{.}\)

\begin{equation*} -(-a) + (-a) = (-1+1)\cdot(-a) = 0\cdot (-a) = 0. \end{equation*}

item 2. Vamos verificar que ao somar \((-a)\cdot b\) ou \(a\cdot (-b)\) com \(a\cdot b\text{,}\) obtemos o elemento neutro da adição.

\begin{align*} (-a)\cdot b + a\cdot b = \amp~ ((-a)+a)\cdot b = 0\cdot b = 0\\ a\cdot (-b) + a\cdot b = \amp~ a\cdot((-b)+b) = a\cdot 0 = 0 \end{align*}

Logo, tanto \((-a)\cdot b\) como \(a\cdot (-b)\) são inversos aditivos de \(a\cdot b\text{.}\) Portanto,

\begin{equation*} (-a)\cdot b=a\cdot (-b)=-(a\cdot b) \end{equation*}

item 3. Pelo item 2 temos

\begin{equation*} (-a)\cdot (-b) = -(a\cdot(-b)). \end{equation*}

Mais uma vez, pelo item 2 temos

\begin{equation*} -(a\cdot(-b)) = -(-(a\cdot b)). \end{equation*}

Agora, pelo item 1 obtemos

\begin{equation*} -(-(a\cdot b)) = a\cdot b. \end{equation*}

Portanto,

\begin{equation*} (-a)\cdot(-b)=a\cdot b. \end{equation*}

O próximo resultado é muito importante, basicamente ele mostra que \(\mathbb{R}\) é um Domínio de Integridade, isto é, se o produto de dois números reais é \(0\text{,}\) então um desses dois números é \(0\text{.}\)

Suponha que \(a\neq 0\text{.}\) Multiplicando a igualdade

\begin{equation*} a\cdot b = 0 \end{equation*}

pelo inverso multiplicativo de \(a\text{,}\) obtemos

\begin{align*} (a^{-1})\cdot(a\cdot b) = \amp~ a^{-1}\cdot 0 = 0 \\ (a^{-1}\cdot a)\cdot b = \amp~ 0\\ (1)\cdot b = \amp~ 0\\ b = \amp~ 0. \end{align*}

Usando o mesmo argumento, apenas trocando a suposição de que \(a\neq 0\) por \(b\neq 0\text{,}\) obtemos que \(a=0\text{.}\) Portanto,

\begin{equation*} a\cdot b=0 ~~ \Rightarrow ~~a=0 ~~\mbox{ou}~~ b=0. \end{equation*}
Observação 2.2.9.

Segue direto da Proposição 2.2.5 que a recíproca da Proposição 2.2.8 também é verdadeira. Isto é,

\begin{equation*} \mbox{se} ~~a=0 ~~\mbox{ou}~~ b=0, ~~ \mbox{então} ~~ a\cdot b=0. \end{equation*}

Essa sentença é equivalente a sua contrapositiva, que é:

\begin{equation*} \mbox{se} ~~a\cdot b\neq 0, ~~\mbox{então}~~ a\neq 0 ~~ \mbox{e} ~~ b\neq 0. \end{equation*}
Observação 2.2.10.

Da Proposição 2.2.8 e da Observação 2.2.9, podemos concluir que dados \(a,b\in\mathbb{R}\)

\begin{equation*} a\cdot b=0 \mbox{ se, e somente se, } a=0 \text{ ou } b=0; \end{equation*}

equivalentemente,

\begin{equation*} a\cdot b\neq 0 \text{ se, e somente se, } a\neq 0 \text{ e } b\neq 0. \end{equation*}

Uma aplicação da Proposição 2.2.8 é vista no ensino básico quando resolvemos algumas equações polinomiais.

Exemplo 2.2.11.

Determine todas as soluções reais das equações polinomiais. Explique porque de fato pode afirma que determinou todas as soluções reais.

  1. \(\displaystyle 2x^2+3x=0\)
  2. \(\displaystyle (x+2)\cdot(2x-3)\cdot x=0\)
Solução

item a. Pela Proposição 2.2.8,

\begin{equation*} 2x^2 + 3x = x\cdot(2x+3) = 0, \end{equation*}

se e somente se, \(x=0\) ou \((2x+3)=0\text{.}\) Portanto, para que \(2x^2+3x=0\text{,}\) precisamos que

\begin{equation*} x=0 \text{ ou } x=-\frac{3}{2}\text{.} \end{equation*}

O conjunto de todas as soluções é dado por

\begin{equation*} S = \left\{-\frac{3}{2}, 0 \right\}. \end{equation*}

item b. Pela Proposição 2.2.8,

\begin{equation*} (x+2)\cdot(2x-3)\cdot x=0, \end{equation*}

se e somente se, \((x+2)=0\) ou \((2x-3)=0\) ou \(x\text{.}\) Portanto, para que \((x+2)\cdot(2x-3)\cdot x=0\text{,}\) precisamos que

\begin{equation*} x=-2 \text{ ou } x=\frac{3}{2} \text{ ou } x=0\text{.} \end{equation*}

O conjunto de todas as soluções é dado por

\begin{equation*} S = \left\{-2, 0, \frac{3}{2} \right\}. \end{equation*}
Exemplo 2.2.12.

Para quaisquer \(a,b\in\mathbb{R}\text{,}\) mostre que:

  1. \(\displaystyle -(a+b)=-a-b;\)
  2. \(\displaystyle (a-b)(a+b)=a^2-b^2;\)
  3. \(\displaystyle (a+b)^2=a^2+2ab+b^2.\)

Uma consequência importante da Proposição 2.2.8 é a conhecida Fórmula de Bhaskara, que será demonstrada quando definirmos raiz quadrada. Porém, já podemos demonstrar uma parte dessa fórmula.

\begin{equation*} ax^2+bx+c=0 \Leftrightarrow a\cdot \left( \underbrace{\left(x^2+\frac{b}{a}x \right)}_{(\bigstar)} + \frac{c}{a} \right) = 0. \end{equation*}

Como \(a\neq 0\) e

\begin{equation} x^2+\frac{b}{a}x= \left( x + \frac{b}{2a} \right)^2 -\frac{b^2}{4a^2}. \label{eq-bhaskara1}\tag{2.2.2} \end{equation}

Substituindo a igualdade (2.2.2) em \((\bigstar)\text{,}\) obtemos

\begin{align*} ax^2+bx+c=0 \Leftrightarrow \amp~ \left( \left( x + \frac{b}{2a} \right)^2 - \frac{b^2}{4a^2} + \frac{c}{a}\right) = 0\\ ax^2+bx+c=0 \Leftrightarrow \amp~ \left( \left( x + \frac{b}{2a} \right)^2 + \frac{-b^2 + 4ac}{4a^2} \right) = 0, \end{align*}

como \(-b^2 + 4ac=0\text{,}\) ficamos com

\begin{equation*} ax^2+bx+c=0 \Leftrightarrow \left( x + \frac{b}{2a} \right)^2 = 0. \end{equation*}

Ou seja, a única solução é

\begin{equation*} x = -\frac{b}{2a}. \end{equation*}
Exemplo 2.2.14.

Determine todas as soluções reais da equação polinomial

\begin{equation*} (x+2)^2=(3x-2)^2. \end{equation*}

Explique porque de fato pode afirma que determinou todas as soluções reais.

Solução
\begin{align*} (x+2)^2 = \amp~ (3x-2)^2 \Leftrightarrow \\ x^2+4x+4 = \amp~ 9x^2-12x+4 \Leftrightarrow\\ -9x^2 + x^2 +12x+4x-4+4 = \amp~ 0 \Leftrightarrow\\ -8x^2 +16x = \amp~ 0 \Leftrightarrow\\ -8\cdot x\cdot(x - 2) = \amp~ 0 \end{align*}

Se, e somente se, \(x=0\) ou \(x=2\text{,}\) pois \(-8\neq 0\text{.}\)

Exemplo 2.2.15.

Se \(a\neq 0\) e \(b\neq 0\) em \(\mathbb{R}\text{,}\) prove que:

  1. \((a^{-1})^{-1}=a\text{;}\)
  2. \((ab)^{-1}=a^{-1}b^{-1}\text{;}\)
  3. \(\left(\dfrac{a}{b}\right)^{-1}=\dfrac{b}{a}\text{.}\)

O seguinte resultado nos mostra algumas operações com o quociente.

item 1. Como \(\frac{a}{b} = a\cdot b^{-1}\text{,}\) então

\begin{equation*} \frac{a}{b} + \frac{c}{b} = a\cdot b^{-1} + c\cdot b^{-1} = (a+c)\cdot b^{-1} = \frac{a+c}{b}. \end{equation*}

item 2.

\begin{align*} \dfrac{a}{b}+\dfrac{c}{d} = \amp~ a\cdot b^{-1} + c\cdot d^{-1} \\ = \amp~ (d\cdot d^{-1})\cdot(a\cdot b^{-1}) + (b\cdot b^{-1})\cdot(c\cdot d^{-1}) \\ = \amp~ (a\cdot d)\cdot(b^{-1}\cdot d^{-1}) + (b\cdot c)\cdot(b^{-1}\cdot d^{-1}) \\ = \amp~ (ad+bc)\cdot(b^{-1}\cdot d^{-1}) \\ = \amp~ (ad+bc)\cdot(bd)^{-1} \\ = \amp~ \frac{ad+bc}{bd}. \end{align*}

item 3.

\begin{align*} \frac{a}{b}\cdot\frac{c}{d} = \amp~ (a\cdot b^{-1})\cdot (c \cdot d^{-1}) \\ = \amp~ (ac)\cdot (b^{-1}d^{-1}) \\ = \amp~ (ac)\cdot (bd)^{-1} \\ = \amp~ \frac{ac}{bd}. \end{align*}

item 4.

\begin{align*} \frac{a\cdot d}{b\cdot d} = \amp~ (a\cdot d) \cdot (b^{-1} \cdot d^{-1}) \\ = \amp~ (a\cdot b^{-1}) \cdot (d \cdot d^{-1}) \\ = \amp~ (a\cdot b^{-1})\cdot 1 \\ = \amp~ \frac{a}{b} \end{align*}

item 5.

\begin{align*} \left(\dfrac{a}{b}\right)\bigg/\left(\dfrac{c}{d}\right) = \amp~ (a\cdot b^{-1})\cdot \left(\frac{c}{d} \right)^{-1} \\ = \amp~ (a\cdot b^{-1})\cdot (c\cdot d^{-1})^{-1} \\ = \amp~ (a\cdot b^{-1})\cdot (c^{-1}\cdot (d^{-1})^{-1}) \\ = \amp~ (a\cdot b^{-1})\cdot (c^{-1}\cdot d) \\ = \amp~ (a\cdot b^{-1})\cdot (d \cdot c^{-1}) \\ = \amp~ \frac{a}{b}\cdot\dfrac{d}{c}. \end{align*}
Observação 2.2.17.

Em outras palavras, as propriedades da Proposição 2.2.16 nos diz que:

  1. Quando somamos frações com o mesmo denominador, somamos os numeradores. Por exemplo, \(\dfrac{2}{7}+\dfrac{3}{7}=\dfrac{5}{7}\text{.}\)
  2. Quando somamos frações com denominadores diferentes, encontramos um denominador comum. Então somamos os numeradores. Por exemplo, \(\dfrac{2}{7}+\dfrac{3}{5}=\dfrac{2\cdot5+3\cdot 7}{5\cdot7}=\dfrac{31}{35}\text{.}\)
  3. Quando multiplicamos frações, multiplicamos numeradores e denominadores. Por exemplo, \(\dfrac{2}{7}\cdot\dfrac{3}{5}=\dfrac{2\cdot 3}{7\cdot 5}=\dfrac{6}{35}\text{.}\)
  4. Cancelamos números que são fatores comuns no numerador e no denominador. Por exemplo, \(\dfrac{6}{15}=\dfrac{2\cdot 3}{5\cdot 3}=\dfrac{2}{5}\text{.}\)
  5. Quando dividimos frações, invertemos o divisor e multiplicamos. Por exemplo, \(\dfrac{2}{7}\bigg/ \dfrac{3}{5}=\dfrac{2}{7}\cdot\dfrac{5}{3}=\dfrac{10}{21}\text{.}\)