[skip-to-content]

Seção 5.4 \(\mathbb{R}\) Não é Enumerável

Vamos mostrar que nenhuma função \(f:\mathbb{N}\rightarrow \mathbb{R}\) pode ser sobrejetiva. Pela definição de conjunto enumerável, isso é suficiente para provar que \(\mathbb{R}\) não é enumerável.

Seja \(f:\mathbb{N}\rightarrow \mathbb{R}\) uma função qualquer, para mostrar que \(f\) não é sobrejetiva, vamos precisar construir uma sequência decrescente de intervalos

\begin{equation*} I_1\supset I_2\supset \cdots \supset I_n\supset \cdots \end{equation*}

de intervalos limitados e fechados tal que \(f(n)\notin I_n\text{.}\) Começe tomando \(I_1=[a_1,b_1]\) tal que \(f(1)\lt a_1\) e supondo obtidos

\begin{equation*} I_1\supset I_2\supset \cdots \supset I_n \end{equation*}

tais que \(f(j)\notin I_j\text{,}\) olhamos para \(I_n=[a_n, b_n]\text{,}\) temos dois casos.

1º caso: Se \(f(n+1)\notin I_n\text{,}\) podemos simplesmente tomar \(I_{n+1}=I_n\text{.}\)

2º caso: Se \(f(n+1)\in I_n\text{,}\) pelo menos um dos extremos, digamos \(a_n\text{,}\) é diferente de \(f(n+1)\text{,}\) isto é, \(a_n\lt f(n+1)\text{.}\) Neste caso, tomamos

\begin{equation*} I_{n+1}=[a_{n+1}, b_{n+1}], \text{ com } a_{n+1}=a_n \text{ e } b_{n+1}=\frac{a_n+f(n+1)}{2}\text{.} \end{equation*}

Pelo Teorema 4.1.21 existe um número real \(c\) pertencente a todos os \(I_n\text{,}\) e pela construção desses intervalos, nenhum dos valores pode ser igual a \(c\text{,}\) logo \(f\) não é sobrejetiva.

Como o conjunto \(\mathbb{Q}\) dos números racionais é enumerável, como \(\mathbb{R} = \mathbb{Q}\cup (\mathbb{R}\setminus\mathbb{Q})\text{,}\) o conjunto dos números irracionais é não enumerável.

Todo intervalo não degenerado contém um intervalo aberto \((a,b)\text{.}\) Como a função

\begin{equation*} f:(-1,1)\rightarrow (a,b)\text{,} \end{equation*}

definida por

\begin{equation*} f(x) = \frac{1}{2}\left((b-a)x+a+b\right), \end{equation*}

é uma bijeção, basta mostrar que o intervalo aberto \((-1,1)\) é não-enumerável.

Considere a função \(\varphi:\mathbb{R}\rightarrow (-1,1)\text{,}\) dada por

\begin{equation*} \varphi(x) = \frac{x}{1+|x|}, \end{equation*}

é uma bijeção cuja inversa é \(\psi:(-1,1)\rightarrow \mathbb{R}\text{,}\) definida por

\begin{equation*} \psi(y) = \frac{y}{1-|y|}, \end{equation*}

pois,

\begin{equation*} \varphi(\psi(y))=y \quad\text{e}\quad \psi(\varphi(x))=x, \end{equation*}

para qualquer \(y\in (-1,1)\) e \(x\in \mathbb{R}\text{,}\) como se pode verificar.

Próximo teorema nos diz que o conjunto \(\mathbb{Q}\) dos números racionais e o conjunto \(\mathbb{R}\setminus\mathbb{Q}\) dos números irracionais são densos em \(\mathbb{R}\text{,}\) isto é, entre dois números reais quaisquer existem números racionais e irracionais.

Certamente \(I\) contém números irracionais, pois do contrário seria enumerável. Falta provar que \(I\) contém números racionais.

Para provar que \(I\) contém números racionais, tomamos \([a,b]\subset I\text{,}\) na qual, \(a\lt b\) são números irracionais. Fixamos \(n\in \mathbb{N}\) tal que

\begin{equation*} \frac{1}{n}\lt b-a. \end{equation*}

Os intervalos

\begin{equation*} I_m = \left[ \frac{m}{n}, \frac{m+1}{n} \right], m\in \mathbb{Z}, \end{equation*}

cobrem a reta, isto é,

\begin{equation*} \displaystyle\mathbb{R} = \bigcup_{m\in\mathbb{Z}}I_m. \end{equation*}

Portanto existe \(m\in \mathbb{Z}\) tal que \(a\in I_m\text{.}\) Como \(a\) é irracional, temos

\begin{equation*} \frac{m}{n}\lt a\lt \frac{m+1}{n}. \end{equation*}

Sendo o comprimento \(\frac{1}{n}\) do intervalo \(I_m\) menor do que \(b-a\text{,}\) segue-se que

\begin{equation*} \frac{m+1}{n}\lt b. \end{equation*}

Logo o número racional \(\frac{m+1}{n}\) pertence ao intervalo \([a,b]\) e portanto ao intervalo \(I\text{.}\)