Seção 4.1 Ínfimos e Supremos
Definição 4.1.1.
Um conjunto \(X\subset \mathbb{R}\) é chamado limitado superiormente quando existe algum \(b\in\mathbb{R}\) tal que \(x\leq b\) para todo \(x\in X\text{.}\) Neste caso, diz-se que \(b\) é uma cota superior de \(X\text{.}\) Analogamente, diz-se que o conjunto \(X\subset\mathbb{R}\) é limitado inferiormente quando existe \(a\in\mathbb{R}\) tal que \(a\leq x\) para todo \(x\in X\text{.}\) O número \(a\) chama-se então uma cota inferior de \(X\text{.}\) Se \(X\) é limitado superior e inferiormente, então o conjunto \(X\) é chamado conjunto limitado.
Proposição 4.1.2.
Seja \(X\) um subconjunto de \(\mathbb{R}\text{,}\) então as seguintes afirmações são equivalentes:
- \(X\) é um conjunto limitado;
- \(X\) está contido em algum intervalo limitado \([a,b]\text{;}\)
- existe \(k> 0\) tal que \(|x|\leq k\) para todo \(x\in X\text{.}\)
Exemplo 4.1.3.
O conjunto \(\mathbb{N}\) dos números naturais é limitado inferiormente. Com efeito, vimos que \(1\leq n\) para todo \(n\in\mathbb{N}\text{,}\) portanto, \(1\) é uma cota inferior de \(\mathbb{N}\) e \(\mathbb{N}\) é limitado inferiormente. Note que todo número real \(a\leq 1\) também é cota inferior de \(\mathbb{N}\text{.}\) Veremos que \(\mathbb{N}\) não é limitado superiormente.
Exemplo 4.1.4.
O conjunto \(A=\left\{\dfrac{1}{n}; ~ n\in\mathbb{N}\right\}\) é um conjunto limitado.
SoluçãoPela Proposição 4.1.2, basta mostrar que \(A\subset [0,1]\text{.}\)
Como \(n\in \mathbb{N}\text{,}\) o maior elemento de \(A\) é o número \(1\text{.}\) Pois, para \(n=1, \frac{1}{1}=1\) e para qualquer \(n\neq 1\text{,}\) teremos \(1\lt n\text{.}\) Pelo item 4 da Proposição 3.1.7,
O menor elemento de \(A\) é maior que \(0\text{.}\) Pois, como \(A\subset \mathbb{R}\text{,}\) o item 3 da Proposição 3.1.7 é válido, ou seja,
Portanto, como os elementos de \(A\) são maiores que \(0\) e menores ou iguais a \(1\text{,}\) \(A\subset [0,1]\text{.}\)
Exemplo 4.1.5.
Os intervalos \([a,b], (a,b), [a,b)\) e \((a,b]\) são conjuntos limitados, em todos esses casos, \(a\) é uma cota inferior e \(b\) é uma cota superior. Os intervalos \([a,+\infty)\) e \((a,+\infty)\) são limitados inferiormente, mas não são limitados superiormente, em ambos os casos, \(a\) é uma cota inferior. Já os intervalos \((-\infty,b]\) e \((-\infty,b)\) são limitados superiormente, mas não são limitados inferiormente, em ambos os casos, \(b\) é uma cota superior. Por fim, o intervalo \((-\infty,\infty)\) não limitado superior nem inferiormente.
Definição 4.1.6.
Seja \(X\subset \mathbb{R}\) limitado superiormente e não-vazio. Dizemos que um número \(b\in\mathbb{R}\) é o supremo do conjunto \(X\text{,}\) e escrevemos \(b=\sup X\text{,}\) quando é a menor das cotas superiores de \(X\text{.}\) Mais precisamente, \(b\) é o supremo de \(X\) quando cumpre as seguintes condições:
- Para todo \(x\in X\text{,}\) tem-se \(x\leq b\text{;}\)
- Se \(c\in\mathbb{R}\) é tal que \(x\leq c\) para todo \(x\in X\) então \(b\leq c\text{.}\)
Observação 4.1.7.
Note que a condição 1 da Definição 4.1.6 apenas nos diz que \(b\) é uma cota superior de \(X\text{.}\) A condição 2 da Definição 4.1.6 nos diz que se um número \(c\) é cota superior de \(X\text{,}\) então \(b\) é menor ou igual a \(c\text{.}\) A condição 2 pode ser reescrita das seguintes formas:
- Se \(c\lt b\text{,}\) então existe \(x\in X\) tal que \(c\lt x\text{.}\)
- Para todo \(\epsilon>0\) existe \(x\in X\) tal que \(b-\epsilon\lt x\text{.}\)
As condições i e ii da Observação 4.1.7 nos dizem que se \(c\) é menor que \(b\text{,}\) então \(c\) não é cota superior de \(X\text{,}\) isto é a contrapositiva do item 2 da Definição 4.1.6.
Exemplo 4.1.8.
Observe que os intervalos, limitados superiormente, \([a,b]\text{,}\) \((a,b], (a,b), [a,b), (-\infty,b]\) e \((-\infty,b)\) possuem \(b\) como o supremo.
Definição 4.1.9.
Seja \(X\subset \mathbb{R}\text{.}\) Um número \(b\in X\) é chamado o maior elemento do conjunto \(X\) quando \(b\geq x\) para todo \(x\in X\text{.}\) Em outras palavras, \(b\) é uma cota superior de \(X\text{,}\) pertencente a \(X\text{.}\)
Observação 4.1.10.
É importante observar que o maior elemento do conjunto \(X\) deve pertencer ao conjunto, enquanto o supremo de \(X\) não precisa, necessariamente, pertencer a \(X\text{.}\) Note que se \(b\) é o maior elemento de \(X\text{,}\) então \(b=\sup X\text{.}\)
Exemplo 4.1.11.
O maior elemento do conjunto \(A=\left\{\dfrac{1}{n}; ~ n\in\mathbb{N}\right\}\) é 1, portanto \(\sup A=1\text{.}\)
Exemplo 4.1.12.
Analisando os intervalos \([a,b], (a,b], (a,b), [a,b), (-\infty,b]\) e \((-\infty,b)\text{,}\) observamos que:
SoluçãoTanto o supremo como o maior elemento dos intervalos \([a,b], (a,b]\) e \((-\infty, b]\) é o número \(b\text{.}\)
O supremo dos intervalos \((a,b), [a,b)\) e \((-\infty, b)\) é o número \(b\text{,}\) mas \(b\notin(a,b)\text{,}\) \(b\notin[a,b)\text{,}\) \(b\notin(-\infty, b)\text{.}\) Portanto \(b\) não é o maior elemento desses intervalos.
Definição 4.1.13.
Seja \(X\subset \mathbb{R}\) limitado inferiormente e não-vazio. Dizemos que um número \(a\in\mathbb{R}\) é o ínfimo do conjunto \(X\text{,}\) e escrevemos \(a=\inf X\text{,}\) quando é a maior das cotas inferiores de \(X\text{,}\) Mais precisamente, \(a\) é o ínfimo de \(X\) quando cumpre as seguintes condições:
- Para todo \(x\in X\text{,}\) tem-se \(a\leq x\text{;}\)
- Se \(c\in\mathbb{R}\) é tal que \(c\leq x\) para todo \(x\in X\) então \(c\leq a\text{.}\)
Observação 4.1.14.
Note que a condição 1 da Definição 4.1.13 apenas nos diz que \(a\) é uma cota inferior de \(X\text{.}\) A condição 2 nos diz que se um número \(c\) é cota inferior de \(X\text{,}\) então \(c\) é menor ou igual a \(a\text{.}\) A condição 2 pode ser reescrita das seguintes formas:
- Se \(a\lt c\text{,}\) então existe \(x\in X\) tal que \(x\lt c\text{.}\)
- Para todo \(\epsilon>0\) existe \(x\in X\) tal que \(x\lt a+\epsilon\text{.}\)
As condições i e ii da Observação 4.1.14 nos dizem que se \(c\) é maior que \(a\text{,}\) então \(c\) não é cota inferior de \(X\text{,}\) isto é a contrapositiva do item 2 da Definição 4.1.13.
Definição 4.1.15.
Seja \(X\subset \mathbb{R}\text{.}\) Um número \(a\in X\) é chamado o menor elemento do conjunto \(X\) quando \(a\leq x\) para todo \(x\in X\text{.}\) Em outras palavras, \(a\) é uma cota inferior de \(X\text{,}\) pertencente a \(X\text{.}\)
Observação 4.1.16.
É importante observar que o menor elemento do conjunto \(X\) deve pertencer ao conjunto, enquanto o ínfimo de \(X\) não precisa, necessariamente, pertencer a \(X\text{.}\) Note que se \(a\) é o menor elemento de \(X\text{,}\) então \(a=\inf X\text{.}\)
Exemplo 4.1.17.
Veremos a seguir que o conjunto \(A=\left\{\dfrac{1}{n}; ~ n\in\mathbb{N}\right\}\) possui o ínfimo, que é \(\inf A=0\text{,}\) porém não possui um menor elemento.
Exemplo 4.1.18.
Analisando os intervalos \([a,b], (a,b], (a,b), [a,b), [a,+\infty)\) e \((a,+\infty)\text{,}\) observamos que:
SoluçãoTanto o ínfimo como o menor elemento dos intervalos \([a,b], [a,b)\) e \([a, +\infty)\) é o número \(a\text{.}\)
O ínfimo dos intervalos \((a,b], (a,b)\) e \((a, +\infty)\) é o número \(a\text{,}\) mas \(a\notin(a,b]\text{,}\) \(a\notin(a,b)\text{,}\) \(a\notin(a, +\infty)\text{.}\) Portanto \(a\) não é o menor elemento desses intervalos.
Subseção 4.1.1 \(\mathbb{R}\) é Completo
Axioma 4.1.19.
O corpo ordenado \(\mathbb{R}\) é completo, isto é, todo conjunto não-vazio e limitado superiormente \(X\subset\mathbb{R}\) possui supremo \(b=\sup x\in\mathbb{R}\text{.}\)
O próximo resultado é uma consequência da completeza de \(\mathbb{R}\text{.}\)
Teorema 4.1.20.
Propriedade Arquimediana.
- O conjunto \(\mathbb{N}\subset\mathbb{R}\) dos números naturais não é limitado superiormente;
- O ínfimo do conjunto \(X=\{1/n;~ n\in\mathbb{N}\}\) é igual a \(0\text{;}\)
- Dados \(a,b\in\mathbb{R}^+\text{,}\) existe \(n\in\mathbb{N}\) tal que \(n\cdot a> b\text{.}\)
Demonstração.
item i. Se \(\mathbb{N}\subset \mathbb{R}\) fosse limitado superiormente, existiria \(c=\sup \mathbb{N}\text{.}\) Então \(c-1\) não seria cota superior de \(\mathbb{N}\text{,}\) isto é, existiria \(n\in \mathbb{N}\) com \(c-1 \lt n\text{.}\) Daí resultaria \(c\lt n+1\text{,}\) logo \(c\) não seria cota superior de \(\mathbb{N}\text{.}\)
item ii. Claramente \(0\) é uma cota inferior de \(X\text{.}\) Basta provar que nenhum \(c>0\) é cota inferior de \(X\text{.}\) Dado \(c>0\text{,}\) existe, por i., um número natural \(n>1/c\text{,}\) donde \(1/n\lt c\text{.}\)
item iii. Dados \(a, b, \in \mathbb{R}^+\text{,}\) usando i. para obter \(n\in \mathbb{N}\) tal que \(n>b/a\text{,}\) obtemos \(na>b\text{.}\)
Teorema 4.1.21.
(Intervalos Encaixados.) Dada uma sequência decrescente \(I_1\supset I_2 \supset \cdots \supset I_n \supset \cdots\) de intervalos limitados e fechados \(I_n=[a_n,b_n]\text{,}\) existe pelo menos um número real \(c\) tal que \(c\in I_n\) para todo \(n\in \mathbb{N}\text{.}\)
Demonstração.
As inclusões \(I_n\supset I_{n+1}\) significam que
O conjunto \(A = \{ a_1, a_2, \ldots, a_n, \ldots \}\) é, portanto, limitado superiormente. Seja \(c=\sup A\text{.}\) Evidentemente, \(a_n\leq c\) para todo \(n\in \mathbb{N}\text{.}\) Além disso, como cada \(b_n\) é cota superior de \(A\text{,}\) temos \(c\leq b_n\) para todo \(n\in \mathbb{N}\text{.}\) Portanto, \(c\in I_n\) qualquer que seja \(n\in \mathbb{N}\text{.}\)